A indústria química e os mecanismos de precificação. Afinal, os preços são locais ou internacionais?

Carlos Alberto Lopes
Economista, Diretor da ChemVision
 

Antes de entrar na discussão do tema e apresentar a argumentação de caminhos mais adequados aos mecanismos de formação de preços no mercado brasileiro de produtos químicos, vale dois comentários conceituais, de forma a delimitar o espaço dessa análise:     

1. A indústria química possui uma longa extensão, desde suas matérias-primas até seus produtos finais, sendo cada elo o insumo subsequente dessa cadeia produtiva até seus produtos finais.

 

É fundamental, portanto, que todas as etapas desse processo produtivo mantenham a competitividade com os preços dentro da lógica do mercado internacional, sob pena de seus produtos finais desalinhados não suportarem a concorrência com aqueles produtos importados, tampouco ter competitividade exportadora;

2. A ideia da abordagem do tema preços, aqui considerada, deve ser vista sob a ótica intrínseca, ou seja, os preços são enfocados de per se, se as demais variáveis, que em muitos casos são fundamentais, portanto, não estarem contempladas nessas análises por aqueles fatores considerados transversais (horizontais).

O tema preços tem uma dinâmica complexa, principalmente para os países em desenvolvimento, na escolha dos parâmetros e das variáveis que irão atuar como referenciais no estabelecimento dos critérios de precificação de seus bens de consumo, em níveis de mercado interno.

A decisão do estabelecimento de preços justos ou adequados terá sempre, de um lado, um produtor buscando colocar o maior preço e, em contrapartida, o comprador negociando o menor preço possível pelo bem transacionado.

Os preços são determinados pelas variadas correlações das forças do mercado, e os principais “drivers” são o balanço da oferta versus demanda de um lado e, de outro, o conjunto das economias daqueles países com maior peso relativo no produto global, para um determinado segmento de negócio.

Essas duas variáveis ajudam no entendimento do porquê e de sua métrica de monetização para os produtos e seus segmentos industriais, na hora do exercício do poder de compra e venda, criando dois padrões de países:

  • Aqueles que estabelecem os preços, chamados de preços líderes (“price makers”) e
  • Aqueles países que tomam os preços, chamados de tomadores de preços (“price takers”).

Em seguida, dois comentários sintéticos de como os modelos de precificação são impactados pelo balanço oferta e demanda, além daqueles países com peso específico expressivo no PIB global, conforme abaixo:

  1. O balanço oferta versus demanda possui um peso relativo muito expressivo na formação dos preços, e um exemplo bem ilustrativo é aquele relativo ao preço do óleo – maiores ou menores ofertas produzem oscilações em suas cotações, assim como a maior ou menor força (aquecimento) da demanda, principalmente, nos países com peso relativo mais preponderante, ocasionando impactos na formação dos preços.

O balanço oferta versus demanda, portanto, é elemento determinante da dinâmica dos preços dos produtos e de seus segmentos, e ainda mais se esse fenômeno ocorre em países desenvolvidos;

  1. O peso relativo das economias dos países mais desenvolvidos é um outro “driver” relevante e que influencia a abordagem de preços, pois é inquestionável o peso relativo em relação aos bens de consumo dessas economias, em relação ao PIB global.

Estima-se que o PIB mundial em termos nominais seja da ordem de US$ 80 trilhões, e tem 50% do produto mundial concentrado em quatro países, USA (24,4%), China (15,4%), Alemanha (4,6%) e Japão (6,1%), enquanto o Brasil possui cerca de 2,6% desse total.

Embora o Brasil ocupe uma posição importante, não possui um peso relativo, medido em termos de PIB global, para liderar a formação de preços, em níveis internacionais. Lógico que, em segmentos primários onde sua produção seja relevante em seu peso relativo, impacta na formação de preços; porém em segmentos mais a jusante da cadeia produtiva, onde os valores agregados são mais intensificados, sua propensão a influenciar preços diminui significativamente, sendo essa uma questão de complexidade econômica do portfólio dos produtos comercializáveis para exportação pelo Brasil.

Na indústria química (IQ), com características fortemente globais, a formação de preços é totalmente dependente de variáveis exógenas para países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Porém, é necessário que esse entendimento transpasse toda cadeia produtiva estendida, desde a matéria-prima até os produtos finais, para o estabelecimento de mecanismos de preços, que possam atrair investimentos, para que os preços locais sigam os marcadores internacionais.

Nas transações comerciais, as operações em níveis internos e externos colocam o Brasil na posição de tomador de preços (“price taker”), sempre utilizando com referência os mercados dos países líderes e com participação expressiva no produto global, ou seja, as duas variáveis exógenas determinísticas dos preços.

É difícil ter uma regra estática e totalmente clara, mas a formação de preços se dá pelos parâmetros da forte influência dos mercados americanos (USA) e chinês (China), primeiro em termos de balanço oferta versus demanda e, concomitantemente, em relação ao seu peso relativo, que somam 40% do PIB mundial. Esse caso fica configurado como mercados considerados de referências (“benchmarking”) ou mercados que são os autênticos fazedores de preços (“price maker”).

Na análise das cadeias produtivas ampliadas, ou seja, ao longo de todos os elos das matérias-primas até os produtos finais, e através de um olhar microeconômico, podemos focar sob a ótica de comercialidade de produtos com a seguinte divisão:

a) produtos “tradables” (facilmente transportáveis) ou

b) “non tradables” (dificilmente transportáveis), para facilitar essa análise dos mecanismos de formação de preços.

As características de comercialidade dos produtos determinam uma maior ou menor margem de manobra e influência nos desvios padrão, quando do estabelecimento dos mecanismos de formação dos preços e boa parte das previsões, permitindo um entendimento de seus mecanismos de precificação. A precificação dos “non tradable” tende a ter um viés regional muito mais forte.

A cadeia produtiva ampliada da indústria química possui extensão e amplitude criando um efeito de pluralidade multiplicadora dentro da matriz industrial. Considerando que os seus elos partem de matérias-primas, com elevado peso relativo no custo final dos produtos, a falta de uma abordagem de cadeia produtiva ampliada pode determinar o sucesso ou não na captação de novos investimentos. Os níveis iniciais de precificação da cadeia produtiva, portanto, é o ponto chave (“key point”) da competitividade.

Os USA e a China têm utilizado modelos de precificação cujos preços no “upstream” da cadeia produtiva ampliada geram produtos finais muito competitivos e que acabam desestimulando outras regiões a investir em novas capacidades produtivas. É criado um círculo vicioso e gerador de concentração produtiva de produtos com maior conteúdo tecnológico e de maior valor agregado, colocando outras regiões como provedoras de produtos primários.

No caso brasileiro, vários modelos têm sido utilizados com relação ao desenvolvimento de mecanismos para a formação de preços, em nível de mercado interno. Para simplificar, vamos dividir em dois extremos os mecanismos de formação de preços, quais sejam, o sistema de “net back price” e o sistema de “cost plus”, não considerando as diversas “proxys” possíveis e respeitando os intervalos de confiança.

A partir desses conceitos e seus modelos correspondentes, algumas variações têm sido estabelecidas no mercado, em função do produto e também do segmento, com adequações às variações do balanço oferta versus demanda, com reflexos nesses dois modelos de sistema de formações dos preços, quais sejam:

  1. O sistema de “cost plus” possui uma formulação baseada em custos mais margem e desconsidera a concorrência e eventuais bens substitutos, na maioria dos casos. É um modelo onde o produtor exerce todo seu poder de captura das margens ao longo da cadeia produtiva. Nesses casos, o sistema de balanceamento de concorrência fica bastante prejudicado e pende mais para o produtor. Os exemplos clássicos são os chamados monopólios naturais, mas também produtores hegemônicos tendem a se utilizar desse referencial em seus modelos de precificação;
  2. No sistema de “net back price”, a formulação dos preços toma como base referencial as transações no mercado externo, da relação dos balanços de oferta versus demanda, da influência dos países de economias mais desenvolvidas, criando para os produtores e compradores locais uma espécie de referencial de precificação de paridade de importação. Os produtos “tradables” são aqueles que melhor representam essa categoria, desde que as alíquotas de proteção não representem barreiras ao comércio.

Nas cadeias produtivas ampliadas com elos interligados podem ocorrer desbalanceamentos, tanto a jusante como a montante, se não observadas as referências internacionais, retirando o potencial de economicidade e, consequentemente, os níveis de novos investimentos.

Ocorre que ao longo das cadeias produtivas ampliadas, como é o caso da indústria química, esses dois modelos sofrem desvios, pela constante disputa pela captura das margens, que interferem com maior ou menor intensidade no nível de investimentos, com reflexos nas ampliações de capacidades existentes e em novas plantas industriais.

No caso da aplicação do modelo de sistema de “cost plus”, quando existem outros produtores concorrentes, pode ocorrer uma acirrada disputa pelas margens, que acaba sendo definida pelo produtor marginal. O produtor marginal tem o maior nível de “cash cost” e é aquele que tem menores possibilidades de competição, porém acaba tendo que definir seus preços em níveis que retratam suas plantas industriais com menor desempenho, deixando para o produtor mais eficiente as possibilidades de captura das melhores margens.

No sistema de formação de preços pelo sistema de “net back price”, quando as cadeias produtivas são ampliadas e os produtos finais é que são comercializados, a competição por mercado pode ficar comprometida, se o preço de partida estiver desalinhado com os produtos finais entrantes no mercado doméstico.

Nos sistemas competitivos, o mercado corresponde ao local em que compradores e vendedores atuam e fazem seus negócios, refletindo as condições do balanço oferta versus demanda tomadas livremente pelos seus agentes econômicos, que sofrem e reagem às variáveis endógenas e exógenas e que determinam os parâmetros de formação de preços.

As cadeias produtivas ampliadas precisam estar em sintonia com esses conceitos e variáveis que impactam o mercado interno, pois as decisões de potenciais investimentos consideram não mais apenas o mercado interno, mas também as exportações como parte integrante e decisiva, para a tomada de decisões de projetos “green fields”, na perspectiva que todos os “drivers” tecnológicos impulsionaram as novas unidades industriais a terem economias de escala crescentes.

No âmbito do mercado externo, os mecanismos de precificação ocorrem através do balizamento via colocação do produto no mercado de destino, através do mecanismo de “landed cost”, que é o preço colocado no mercado demandante.

As exportações são uma excelente métrica desse conceito atuando como um “benckmarking” na referência aos mecanismos de precificação, pois as vendas externas somente ocorrem no regime “net back price” quando o preço base é o do mercado alvo. Dessa forma, as empresas tomam suas decisões e avaliam suas reais oportunidades de monetizar seus produtos, em relação a esses mercados.

Sob a ótica da análise das estruturas de mercado, levando em conta a oferta e a demanda, os mercados funcionam em suas concepções com modelos de concorrência perfeita e concorrência monopolística (incluindo a   concorrência imperfeita, oligopólio e monopólio).

A diferença dos mercados de concorrência perfeita e de concorrência imperfeita (monopolistas) decorre que, nesses mercados, a força de precificação fica em mãos desse produtor que, via de regra, tem com parâmetro os preços colocados na base “landed cost”, e em muitos casos com distorções nos preços de referência.

Esse aspecto retira mais competitividade, quando se trata de cadeias produtivas ampliadas ou estendidas, como tem sido o caso que vem ocorrendo na indústria química brasileira, na medida em que ela inclui inúmeras etapas em suas cadeias produtivas até chegar ao produto final.

O produtor do primeiro elo da cadeia (de matérias-primas como nafta ou gás natural) fica diante de duas opções de mercado para colocação de seu produto: o mercado de combustíveis e o mercado de matérias-primas, quase sempre com prevalência do segmento de combustíveis, que possuem ciclos próprios, venda imediata e maior volume negocial. Assim, ocorrem casos em que o produtor do insumo básico opta pela preferência do mercado de combustíveis, onerando a cadeia produtiva das matérias-primas.

Os mercados de cadeias produtivas mais longas, caso da química, têm seus referenciais de preços balizados no mercado internacional, em todos os elos dessa produção, e longe do entendimento dos produtores de combustíveis, que buscam a precificação dos produtos do “upstream” em bases “landed cost”, criando para o final da cadeia produtiva ampliada da indústria química o que podemos chamar de fatores de anticompetitividade relativa.

Se o objetivo final no caso da indústria química for a busca contínua de investimentos e competitividade dos elos das cadeias produtivas ampliadas em níveis globais, a recomendação empresarial é que, para essas cadeias de longa extensão, os modelos de precificação a serem adotados sejam correlacionados aos mercados internacionais, pois é a única maneira de  manter uma competitividade permanente no mercado interno e, com isso, permitir que também os produtos tenham condições de competir no mercado externo.

Com a aplicação da prática comercial desses conceitos, através da aplicação dos mecanismos de “net back price” em todos os elos das cadeias produtivas ampliadas, se criaria um círculo virtuoso, com aumento da competitividade, uma atração positiva de fluxos de capitais, novos investimentos e certamente teríamos o nascimento de um novo ciclo na indústria química brasileira.