Atenção: o CADE está de olho no RH das empresas

O Conselho de Administração da Defesa Econômica (CADE) investigou, há alguns dias, 37 empresas do setor de saúde tendo como base a suspeita de troca de dados confidenciais, como remunerações, reajustes salariais e pacote de benefícios oferecidos aos colaboradores. Essa investigação trouxe um alerta para vários gestores de recursos humanos com quem conversei. Muitos não entendiam exatamente o que havia de errado nas práticas realizadas. Como estrangeiro residente em Brasília há alguns anos, simpatizei com esses profissionais, já que sofri multas e penalidades por simples desconhecimento da lei, como quando fui multado após dois meses morando no Brasil por não saber que era o dia de rodízio do meu carro.

Depois de conhecer um pouco mais a fundo a investigação realizada pelo CADE, recomendo ao gestor de RH colocar em discussão as seguintes questões:

  • Será que uma empresa pode criar e compartilhar com outras empresas uma lista restritiva de pessoas físicas para candidatura a vagas?

A resposta é não. Essa prática pode ser considerada como discriminatória. Como melhor prática, o recomendável é que o entrevistador solicite consentimento prévio e por escrito ao candidato para realizar as apurações desejadas, como contatar antigos empregadores.

 

  • Será que a minha empresa pode combinar com um ou mais concorrentes a “não contratação” de colaboradores e ex-colaboradores?

Não pode, embora tenha ouvido de alguns gestores de RH que essa prática é relativamente comum no mercado. Muitas vezes essas práticas são realizadas por outros gestores, sem o conhecimento da área de RH. A consequência dessa ação pode deixar a empresa exposta, tendo em vista que:

  1. Combinar com concorrentes a delimitação de contratações de trabalho, com o propósito de evitar o aquecimento na demanda de certos cargos, pode chamar a atenção do CADE por parecer que as empresas envolvidas estão manipulando o mercado de trabalho;
  2. Pode criar uma péssima imagem da empresa frente a seus colaboradores e ex-colaboradores. Imaginem-se na posição de um desempregado que tem uma quantidade limitada de dinheiro para sustentar a família. Seria correto limitar a não contratação de um ex-colaborador por um concorrente?

 

  • Posso perguntar para um ou mais concorrentes quanto ganha um colaborador em particular?

Não pode, basicamente por dois motivos:

  1. Porque poderia parecer que as empresas estão combinando um teto salarial, justamente um dos motivos da investigação do CADE sobre as empresas de saúde;
  2. Não estaria em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Um dos princípios da LGPD é a transparência com o titular dos dados pessoais. A única forma que realizar essa ação seria com a prévia autorização por parte do titular dos dados (colaborador). Por outra parte, o empregador precisa ter suficiente evidência para demonstrar que o colaborador conhece e entende a LGPD e que está ciente de como seriam utilizados os seus dados pessoais.

 

  • Posso participar de eventos com outros Gestores de RH, como associações de classe ou grupos de RH?

Sim, sempre que as regras do jogo estejam claras, sejam éticas e se enquadrem aos padrões legais aplicáveis. Antes de ser membro de um grupo ou associação de classe, é fundamental verificar que os grupos não discutam assuntos antiéticos e ilícitos, como fixação de remunerações.

 

Que medidas preventivas podem ser adotadas pelo Gestor de RH?

Em resposta às preocupações levantadas pelos gestores de RH com quem tive a oportunidade de conversar, seguem algumas Boas Práticas que podem atenuar riscos pelo mau uso da informação pessoal e fixação ilícita de salários ou preços:

  1. Solicite ao Compliance Officer para desenvolver Políticas e Procedimentos Antitruste na empresa: normativas claras tanto para a diretoria da empresa como para cada um dos colaboradores são fundamentais para diminuir a exposição relacionada a práticas como fixação de preço ou cartel entre empresas. É claro que não basta apenas criar políticas e processos. É necessário realizar treinamentos efetivos e depois desenvolver um plano de monitoramento, além de controles internos, para ter certeza que as boas práticas estão sendo seguidas. 
  1. Implemente a LGPD: ainda não implantaram um Programa de Proteção de Dados em conformidade com a LGPD, que já é um requerimento desde agosto de 2020? Praticamente, toda empresa coleta dados pessoais e por esse motivo é importante mostrar transparência para o titular desses dados, criando medidas de controle para evitar o mau uso ou vazamento de informação. Tome cuidado para sua empresa não ficar exposta a processos e severas multas.
  2. Reavalie os contratos trabalhistas: é importante mostrar boa fé e transparência aos colaboradores. Caso os dados dos colaboradores sejam para outros fins, que não apenas o de processar a folha de pagamento, é necessário deixar claro para que a informação está sendo utilizada.
  3. Formalizem a pauta nas associações de classe e grupos de trabalho: as associações de classe e grupos de trabalho são excelentes entidades para apresentar preocupações básicas e tentar procurar soluções a certos desafios rotineiros. Mas é importante deixar claro quais são os pontos a serem discutidos e verificar que não sejam tratados assuntos antiéticos ou ilícitos. Ao receber qualquer convite para algum evento que tenha a participação de seus concorrentes, o recomendável é conhecer e avaliar primeiro a pauta antes de participar. Por outro lado, caso surja durante o evento algum assunto que possa parecer antiético ou ilícito, o recomendável é sair da sala e escalar o assunto para o Gestor de Compliance e Assessor Jurídico da sua empresa.
  4. Utilizem pesquisas de remuneração elaboradas por consultores independentes, que sigam as boas práticas e que cuidam dos dados pessoais fornecidos: muitos gestores de RH precisam saber a faixas salariais das posições do mercado. Dessa forma, eles conseguem evitar um alto índice de “turn over” ou rotatividade de colaboradores, conseguindo, ao mesmo tempo, manter um orçamento adequado às necessidades da empresa. A forma correta de realizar essa pesquisa é por meio de consultorias independentes, imparciais, que realizam pesquisas salariais com base em mecanismos de segurança da informação e em conformidade aos requerimentos legais e regulatórios. A prática oferecida por essas consultorias são aceitáveis e reconhecidas no mercado. É importante, porém, verificar se estão cumprindo pelo menos com alguns mínimos controles:
  5. Veja quantas empresas estão participando da pesquisa. Normalmente, elas trabalham pelo menos com um número igual ou maior que cinco empresas participantes para obter percentis 25 e 75;
  6. Leia com muita cautela os Termos do Serviço oferecido: é importante entender como os dados são utilizados e como a pesquisa é entregue aos outros participantes da pesquisa.
  7. Verifiquem como os dados pessoais são coletados: se a empresa apenas solicita a folha de pagamento por meio de uma planilha de Excel detalhando nome, CPF, cargo e salário, significa que vocês estão num mau caminho. Verifique se a empresa cumpre com uma série de protocolos de segurança da informação.

Será que essas boas práticas estão sendo implementadas na sua empresa? Deixo esta pergunta em aberto para reflexão.

Juan Musso é consultor e diretor da Comp9