O IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) lançou, no último dia 25, em São Paulo, seu primeiro pronunciamento aplicável a entes públicos. Por conta do impacto econômico que as agências geram sobre o setor privado, a publicação Governança de Agências Reguladoras, elaborada a partir de um grupo de trabalho que desde outubro de 2017 se dedica ao tema, propõe um conjunto de recomendações para a melhoria do segmento.
Para João Laudo de Camargo, coordenador geral do Capítulo Rio de Janeiro do IBGC e líder do grupo de trabalho ao lado do professor Mario Engler Pinto Junior, as agências reguladoras estão diante de desafios complexos na adoção de boas práticas de governança. É preciso reduzir os riscos de captura e cooptação a que estão sujeitas para que, na esteira da cadeia econômica, suas reguladas recebam investimentos, mantenham relações saudáveis com stakeholders e prestem serviços de boa qualidade à população. “Desejamos que a agência reguladora tenha independência política, financeira e administrativa, além de integrantes bem treinados para garantir a qualidade técnica das decisões”, explica Camargo.
A melhoria da governança das agências será conquistada via independência, mas também por meio de mecanismos de ordem prática, como a seleção profissional de dirigentes e a quarentena. O IBGC recomenda o veto ao dirigente que até 12 meses antes da posse tenha figurado como acionista, sócio, administrador ou empregado de empresas reguladas; ou que nos três anos anteriores exerceu cargo de dirigente político. A prática também está em discussão no Congresso Nacional, onde tramita o Projeto de Lei (PL) 6.621/2016. O IBGC acompanha o projeto, apelidado de Lei das agências reguladoras.
Leia a entrevista na íntegra, publicada na newsletter do IBGC:
Por que o IBGC tomou a iniciativa de discutir questões relacionadas à administração pública? Existe um território limítrofe entre a iniciativa privada e o poder público. Este espaço é ocupado pelas agências reguladoras. Elas são fundamentais para o bom funcionamento do mercado, garantindo a segurança jurídica e o cumprimento dos contratos. Nossa manifestação também é pertinente porque tramita, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 6.621, que reforma o arcabouço que rege o tema. É necessário que a sociedade civil interaja com as demandas nacionais e o IBGC identificou a oportunidade de colaborar.
A publicação do IBGC recomenda a adoção do sistema de supervisão baseada em risco (SBR), utilizado desde 2009 pela CVM. Como funcionaria o SBR?
A supervisão baseada em risco é um instrumento de boa governança, gestão de risco, planejamento estratégico e de transparência. A agência faria um plano bienal baseado nos riscos que possam comprometer sua missão. Uma matriz é estruturada para cada um desses itens, determinando o foco das ações da agência. A prestação de contas seria semestral, com relatórios das atividades e dificuldades enfrentadas.
Desta forma, as empresas reguladas e a sociedade civil saberiam como questões regulatórias são solucionadas e identificariam possíveis deficiências estruturais. Isso reforça a transparência da governança, que deve ser a razão de ser das entidades públicas. Esta proposta não está contemplada no projeto de lei, mas é uma recomendação que tem impacto. O compartilhamento dessas informações possibilita que o mercado possa agir para melhoria das agências.
Como seria a governança ideal nas agências?
O que desejamos é que a agência reguladora tenha independência política, financeira e administrativa e que tenha integrantes bem treinados para garantir a qualidade técnica das decisões. Há também o desafio da seleção dos profissionais. O IBGC recomenda que as indicações partam do colegiado do próprio órgão, assessorado por empresas especializadas em recrutamento – a partir daí, uma lista tríplice é elaborada e apresentada ao poder executivo. Precisamos ainda de mecanismos que evitem a vacância de cargos, fato comum nos últimos anos, e da implementação da meritocracia. Aumentar a transparência é outro ponto essencial para que a sociedade civil monitore as agências.
A adoção de boas práticas de governança ajuda na blindagem das agências contra influências políticas?
Este é o maior desafio. Sugerimos que as indicações de dirigentes partam da própria agência, o que cria certo constrangimento para a interferência política. A independência será alcançada pela aplicação de regras, com o enforcement na aplicação da legislação existente, incluindo o PL que tramita no Congresso Nacional. A independência política é um processo evolutivo, que exige uma sociedade civil engajada. Os próprios usuários dos serviços públicos regulados, além da imprensa, precisam fiscalizar o trabalho das agências e de seus dirigentes. A palavra-chave é confiança, que é resultado de iniciativas como a publicação do IBGC. A confiança proporciona segurança jurídica, respeito aos contratos e isenção na sua interpretação. Isso é consequência de um corpo técnico qualificado e independente.
De que maneira a publicação do IBGC dialoga com o PL 6.621?
O anteprojeto apresentado pelo relator, deputado Danilo Forte (PSDB/CE), está alinhado com o que defendemos: autonomia das agências reguladoras, principalmente em relação aos poderes executivo e legislativo. A escolha dos dirigentes não deve ter influência político-partidária. Também não pode haver cooptação pelas empresas reguladas. A proposta que tramita trata da autonomia administrativa, orçamentária e financeira das agências, que assinalamos como fundamental. Evitar a vacância de cargos é outra questão importante.
O IBGC sugeriu mudanças no projeto de lei?
A área de vocalização e influência do IBGC tem oferecido contribuições ao trabalho legislativo, com análise crítica do texto do projeto e das emendas apresentadas [foram mais de 50]. O instituto sugeriu emenda que determina que divergências de entendimento técnico do ato regulatório não sejam objeto de penalidade por órgãos de controle externo, como o TCU [Tribunal de Contas da União]. Muitas vezes, eles avançam sobre matérias que são de competência exclusiva das agências e os colaboradores das agências temem a imputação de responsabilidades. Ponderamos para que haja equilíbrio na atuação desses órgãos e o relator aprovou a inclusão de nossa sugestão.