Desafios Climáticos e seus Impactos nas Indústrias: Um Chamado à Ação Urgente

Luciana Oriqui

Introdução

As mudanças climáticas representam um crescente risco para diversas indústrias, além de afetar significativamente a economia e a sociedade. O aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como furacões, secas e inundações, coloca em perigo a continuidade operacional dessas indústrias, resultando em interrupções na produção e danos à infraestrutura essencial. Além disso, a mudança nos padrões climáticos influencia a disponibilidade de matérias-primas, eleva os custos operacionais e exige investimentos significativos em tecnologias de adaptação e mitigação. Economicamente, esses eventos acarretam elevados custos de reparo e perdas financeiras substanciais, impactando negativamente a estabilidade econômica. Socialmente, as mudanças climáticas agravam as desigualdades, deslocam populações vulneráveis e comprometem a segurança alimentar e hídrica. Diante desse cenário, a necessidade de ações imediatas e eficazes para mitigar esses riscos se torna imperativa, visando garantir a resiliência e sustentabilidade a longo prazo das indústrias e da sociedade como um todo. O engajamento de empresas e governos em iniciativas de transição energética, controle rigoroso do desmatamento e promoção de inovações tecnológicas é essencial para enfrentar esses desafios climáticos e proteger nosso futuro coletivo.

Principais impactos das mudanças climáticas

As mudanças climáticas causam impactos significativos em diversas áreas. No ambiente, observa-se o aumento das temperaturas globais, que provoca ondas de calor mais intensas e frequentes. O derretimento de gelo e neve contribui para o aumento do nível do mar, ameaçando áreas costeiras. Eventos climáticos extremos, como furacões e secas, estão se tornando mais comuns, assim como mudanças nos padrões de precipitação, resultando em secas e inundações em diferentes regiões, como a recém ocorrência, em 2024, no Rio Grande do Sul, Brasil e em regiões da Europa.

A biodiversidade também sofre com esses impactos. A perda de habitat devido ao aumento das temperaturas e às alterações climáticas leva à extinção de espécies. Muitas espécies estão migrando para novas áreas em busca de condições climáticas mais favoráveis, o que pode desequilibrar ecossistemas inteiros.

Na saúde humana, as mudanças climáticas aumentam a propagação de doenças transmitidas por vetores, como a malária e a dengue, pois os habitats dos mosquitos se expandem. Além disso, problemas respiratórios são agravados pela poluição do ar e pelo calor extremo. A segurança alimentar está em risco, pois as mudanças nos padrões climáticos afetam a produção agrícola, podendo levar à desnutrição e à insegurança alimentar.

Economicamente, as mudanças climáticas causam danos significativos à infraestrutura devido aos eventos extremos, resultando em altos custos de reparo e reconstrução. A agricultura é severamente impactada por secas e inundações, afetando a produção de alimentos e os meios de subsistência dos agricultores. O turismo também sofre com a degradação de ambientes naturais e o aumento de desastres naturais.

Socialmente, o aumento do nível do mar e os eventos climáticos extremos podem levar ao deslocamento de populações e à migração forçada. A escassez de recursos naturais, como água e alimentos, pode intensificar conflitos e tensões sociais, exacerbando as desigualdades sociais, especialmente em países em desenvolvimento.

Para mitigar esses impactos, é essencial reduzir as emissões de gases de efeito estufa por meio de políticas de energia limpa, eficiência energética e conservação de florestas. A adaptação às mudanças climáticas também é crucial, com a construção de infraestrutura resiliente, práticas agrícolas sustentáveis e desenvolvimento de sistemas de alerta precoce para eventos climáticos extremos.

Análise de Tendências

1. Regulamentações Ambientais Mais Rigorosas

Os governos ao redor do mundo estão implementando políticas ambientais mais rigorosas para mitigar os impactos das mudanças climáticas e proteger os recursos naturais. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estão ampliando suas regulamentações para incluir controles mais estritos sobre emissões de poluentes e gestão de resíduos. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com a Resolução nº 193, de 2023, exige das empresas de capital aberto a divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, incluindo impactos climáticos, emissões de gases de efeito estufa, governança ambiental, social e práticas sustentáveis. A medida é inicialmente voluntária, mas será obrigatória para companhias abertas a partir de 2026, e envolverá todas as cadeias de valor dessas organizações. O Projeto de Lei PL 3659/15, que institui nova Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), do Ibama, aprovada pela Câmara dos Deputados em abril de 2024, e que será então analisado em caráter conclusivo, pela  Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), também desempenha um papel indireto, mas que impacta na luta contra as mudanças climáticas, ao fortalecer a capacidade de fiscalização e promover a implementação de políticas ambientais rigorosas, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa.​

Na Europa, a União Europeia vem protagonizando com regulamentações promotoras de sustentabilidade, em que destacam-se o Pacto Ecológico Europeu, que visa tornar a Europa o primeiro continente neutro em carbono até 2050, por meio da expansão do sistema de comércio de emissões de carbono, ou Carbon Pricing, da meta de aumento da capacidade de energias renováveis em pelo menos 55% até 2030, com o plano REPowerEu, de 18 de maio de 2022, acelerando a transição, e também pelo incentivo à Economia Circular; o Regulamento 2023/956, Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM), que visa reduzir a “fuga de carbono” e incentivar a descarbonização global, aplicando um custo sobre as emissões de carbono incorporadas em produtos importados, como aço, alumínio e cimento, e incentivando produtores em países fora da UE a adotarem políticas climáticas mais rigorosas, ajudando a reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa; e a Diretiva de Devida Diligência de Sustentabilidade Corporativa (CSDDD, ou também CS3D), recém aprovada pelo  Parlamento Europeu, em abril de 2024, estabelece que companhias de todos os setores da economia que mantêm negócios com a União Europeia devem averiguar as políticas corporativas e as garantias dos direitos humanos e da responsabilidade ambiental, de toda a cadeia de valor, englobando desde a extração da matéria-prima à distribuição. Como bem disseram DUTRA e GRIZZI, 2024, “Apesar de a Diretiva obrigar diretamente empresas europeias, a norma alcançará empresas brasileiras (ou com operação no Brasil) que participam da cadeia de atividades daquelas – por exemplo, na extração de minerais, na originação de commodities agrícolas, transporte, armazenamento e manufatura de produtos”.

2. Adoção de Tecnologias Verdes

A inovação tecnológica está direcionando a indústria química para soluções mais sustentáveis. Tecnologias verdes, como processos químicos baseados em biotecnologia, catálise verde e utilização de matérias-primas renováveis, estão se tornando cada vez mais prevalentes. Essas tecnologias não apenas reduzem o impacto ambiental, mas também podem oferecer vantagens econômicas a longo prazo.

Esse é o caso de investimentos em inovação e biotecnologia para desenvolver novos materiais sustentáveis como alternativas aos produtos tradicionais baseados em combustíveis fósseis, e de tecnologias de catálise verde para melhorar a eficiência, reduzindo o uso de energia e das emissões de gases de efeito estufa associadas a processos.

Alguns outros exemplos de tecnologia verde são a substituição de combustíveis fósseis por fontes de energia renovável, como solar, eólica, hídrica e biomassa, que reduz diretamente as emissões de GEE ao diminuir a dependência de combustíveis fósseis, tecnologias de captura e armazenamento de carbono que podem capturar CO2 diretamente das fontes de emissão, como plantas industriais e usinas de energia, e armazená-lo de forma segura, impedindo que chegue à atmosfera, e tecnologias para a gestão eficiente e sustentável dos recursos hídricos, que podem ajudar a adaptar sistemas a novas realidades climáticas, evitando desperdícios e prevenindo inundações.

Essas tecnologias não apenas diminuem a quantidade de emissões liberadas na atmosfera, mas também promovem um desenvolvimento mais sustentável e resiliente.

3. Economia Circular

A economia circular e as medidas preventivas de resíduos são estratégias poderosas para mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e as mudanças climáticas. Essas abordagens focam na redução do desperdício, reutilização de materiais e reciclagem, de tal forma a promover um uso mais eficiente dos recursos, diminuindo a necessidade de novas matérias-primas, que resulta em menos emissões associadas à produção e ao descarte de produtos.

As indústrias químicas podem se beneficiar adotando modelos de gestão preventiva de resíduos, através de práticas como:

  • gestão adequada de estoque pode evitar a superprodução e a subprodução, reduzindo a quantidade de produtos que podem se tornar obsoletos ou excedentes, e, portanto, desperdícios;
  • reparação, remanufatura e técnicas que validam o prolongamento da vida útil dos produtos, minimizando então a necessidade de novas produções e, consequentemente, as emissões;
  • design para reciclagem, com produtos projetados para serem facilmente desmontados e reciclados, evitando que materiais valiosos acabem em aterros, onde poderiam liberar gases de efeito estufa como o metano, por exemplo;
  • simbiose industrial, viabilizando a troca de resíduos entre empresas como insumos para outras, e resultando em redução do desperdício e das emissões associadas ao descarte;  
  • recuperação de produtos químicos, como por exemplo a recuperação e purificação de solventes usados em processos industriais, que evitam a necessidade de fabricar novos solventes, economizando energia e reduzindo as emissões associadas à produção.

As boas práticas também incluem a fabricação de produtos com menor impacto ambiental, que utilizem menos energia e materiais mais sustentáveis, diminuindo as emissões de GEE.

4. Digitalização e Indústria 4.0

A transformação digital está revolucionando a manufatura, e a Indústria 4.0 oferece oportunidades para aumentar a eficiência operacional. Ferramentas como a Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial (IA) e big data permitem monitoramento em tempo real, otimização de processos e manutenção preditiva, resultando em redução de custos e melhoria da produtividade.

Essas tecnologias permitem ganhos relevantes, como é o caso dos sensores IoT, que monitoram equipamentos e processos em tempo real, identificando desperdícios de energia e oportunidades de melhoria. Já para garantir transparência e rastreabilidade, destaca-se o uso de blockchain para acompanhar a origem e o percurso dos produtos, garantindo práticas sustentáveis ao longo da cadeia de suprimentos. Outros exemplos são a impressão 3D, que permite a produção sob demanda, evitando excesso de estoque e reduzindo o desperdício de materiais, e a utilização de big data para analisar grandes volumes de dados operacionais, identificando padrões de consumo e oportunidades de redução de emissões.

Estratégias para Antecipação aos Riscos e Regulamentações

1. Monitoramento e Conformidade Proativa

As indústrias devem estabelecer sistemas de monitoramento contínuo para garantir a conformidade com as regulamentações em constante mudança. A implementação de auditorias internas regulares e a consulta a especialistas em regulamentação podem ajudar a identificar e corrigir problemas antes que eles se tornem críticos.

2. Investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I)

Investir em PD&I é crucial para manter a competitividade e a sustentabilidade. Parcerias com instituições acadêmicas e de pesquisa podem acelerar a inovação e a adoção de novas tecnologias, que potencialmente levam, por exemplo, ao desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) que podem ser integradas aos processos industriais para reduzir as emissões de CO2 e ao desenvolvimento de tecnologias mais eficientes e acessíveis para energia solar, eólica, hidroelétrica e outras fontes renováveis, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis. Além disso, a participação em programas de financiamento público pode fornecer recursos adicionais para projetos PD&I.

3. Capacitação e Treinamento

Manter a força de trabalho atualizada sobre as melhores práticas e novas tecnologias é essencial. Programas de capacitação e treinamento contínuos garantem que os funcionários estejam preparados para implementar mudanças e operar novos sistemas de maneira eficiente.

4. Engajamento com Stakeholders

O diálogo aberto com stakeholders, incluindo clientes, fornecedores, comunidades locais e órgãos reguladores, é fundamental. Esse engajamento permite que as indústrias compreendam melhor as expectativas e preocupações, além de facilitar a colaboração em iniciativas sustentáveis.

Conclusão

As indústrias químicas desempenham um papel crucial na economia global, mas também têm responsabilidade sobre suas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Diante das crescentes preocupações ambientais e das regulamentações cada vez mais rigorosas, é imperativo que essas indústrias se preparem adequadamente para enfrentar os desafios relacionados às mudanças climáticas e à mitigação de GEE. Investir em tecnologias avançadas e inovação não é apenas uma necessidade regulatória, mas também uma oportunidade estratégica.

A adoção de tecnologias verdes, com processos de produção mais eficientes, reciclagem de produtos químicos e uso de energias renováveis, pode reduzir significativamente as emissões. Além disso, o desenvolvimento de novos materiais sustentáveis e a implementação de práticas de economia circular ajudam a minimizar o desperdício e a maximizar a reutilização de recursos. Essas iniciativas não apenas atendem às exigências regulamentares, mas também melhoram a competitividade e a sustentabilidade das empresas.

Adotar uma abordagem proativa em relação às mudanças climáticas leva a um melhor posicionamento na mitigação de riscos e na exploração de novas oportunidades de mercado, além de contribuir para um futuro mais sustentável.

Referências:

CBAM, Regulamento 2023/956. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32023R0956.

CVM, Resolução nº 193, de 2023. Disponível em https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol193.html.

DUTRA, L; GRIZZI, A.L. União Europeia aprova Diretiva de Due Diligence social e ambiental na cadeia de fornecedores: sua empresa está preparada?  EY Brasil, 06 de maio de 2024. Disponível em https://www.ey.com/pt_br/climate-change-sustainability-services/diretiva-de-due-diligence-em-sustentabilidade-corporativa.

Pacto Ecológico Europeu. Disponível em https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt.

Plano REPowerEu, de 18 de maio de 2022. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=COM%3A2022%3A230%3AFIN&qid=1653033742483.

Projeto de Lei, PL 3659/15. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2055642&fichaAmigavel=nao.A professora e pesquisadora Luciana Oriqui é assessora para Assuntos de Sustentabilidade do Sinproquim